Era uma baita de uma festa. Ambiente ideal para rebolados, comunicação gritada e bastante álcool. E lá estávamos nós, sentados no conforto de um pufe afastado da caixa de som, localização que nos permitia conversar em um tom de voz não tão elevado. Nossos hálitos, livres do odor etílico.
Peritos em nos distrair dissertando sobre tópicos dos mais diversos em ambientes planejados para amassos e quicadas de bunda no chão, papeávamos como se fosse uma tarde de domingo. Falamos sobre preconceito e convenções sociais, tecemos elogios à organização do evento, demos uma pausa para o xixi e passamos por uma breve sessão fofoca.
Até que por fim chegamos, como de costume, ao usual momento das reflexões pessoais: de pensar alto nos anseios, frustrações e satisfações. E eu, que pouco gosto de falar né, dei início à exposição dos motivos da minha atual e constante ansiedade. E quem nada tardou a ser denunciado no meu monólogo-desabafo foi ela: a vilã baixa autoestima.
Pois é. Sei que estou enquadrada no padrão de beleza imposto socialmente e, portanto, não sofro qualquer tipo de discriminação por conta da minha aparência. Mas é difícil permanecer inabalável quando um sistema que funciona alicerçado no consumo quer convencer a nós mulheres que lindo mesmo é cobrir a face com camadas de primer, base, corretivo, pó, blush, iluminador (e o que mais inventarem), além de ter um abdômen definido o suficiente pra exibir entre um cropped e uma pantacourt.
E naquele meu momento desabafo do rolê, expus as cicatrizes que levo dessa pressão social, enquanto sigo tentando combatê-la. Discorri sobre como os cravos e espinhas no meu rosto o tornam não tão agradável ao olhar. Declarei que desde que fiz minha matrícula na academia nunca estive próxima da forma física almejada. Elenquei várias mulheres que eu considerava esteticamente superiores a mim.
Encarando-me sério, ele rebateu, à sua maneira sóbria porém categórica. Enalteceu os meus ideais, o meu olhar sensível e a minha postura crítica, como se esses fossem atributos físicos capazes de me tornar mais atraente: enumerou traços do meu caráter em vez de traços da minha fisionomia.
Ao que rebati, o alertando de sua “fuga do tema”, à moda de uma professora de Redação. Não estávamos falando de aspecto exterior? Enquanto seus lábios formavam o sorriso singelo de quem acaba de fazer uma descoberta, ele verbalizou sua conclusão: “É… acho que a personalidade tem um grande efeito na aparência.”.
Grandes reflexões de pufes de festas.